quinta-feira, 16 de setembro de 2010

CASTANEDA: Metafísica dos Feiticeiros

Foi na faculdade que pela primeira vez ouvi falar da “Erva do Diabo”, de Carlos Castaneda , no final da década de setenta . Nessa época tinha lido um livro muito importante para toda uma geração: “O Despertar dos Mágicos”, que se completaria com “O Livro dos Danados”, de Charles Fort, precursor de todo esse movimento de procura de sentido das coisas da Natureza, e também de descoberta, desconfiança da racionalidade, que tomou conta do mundo depois da Revolução Francesa, e com a Revolução Industrial. Houve no Brasil, nos Estados Unidos, e na Europa, uma onda de dúvida e incertezas do tipo, “estamos sós no Universo?”, surgindo o que ficou conhecido como “Ufologia”, e “Realismo Fantástico”. Por muito tempo passei a observar os céus e buscar informações em jornais, revistas, livros, na TV, sobre “discos voadores”, e fenômenos estranhos e desconcertantes, coincidências absurdas. Mas, foi com Castaneda, e nos livros de Teosofia, na literatura esotérica, já formado em Filosofia, e depois de passar e analisar várias experiências pessoais, como o “falso despertar”, “projeções da consciência”, e beber o chá da União do Vegetal, mais recentemente, que encontrei uma profundidade muito maior que a busca de extraterrestres, de Ets, e Ufos.
Sem dúvida alguma a obra literária do antropólogo americano, já falecido, Carlos Castaneda, aprendiz de feiticeiro do velho Xamã tolteca Dom Juan Matos, traz uma contribuição importante através de seus livros, para a elucidação de uma metafísica esquecida, de um tempo que a humanidade também esqueceu. Toda a literatura chamada "ocultista", ou “esotérica”, tenta repassar conhecimentos estranhos, cabalísticos, e de certa maneira incompreensíveis, exatamente por falta de um fio condutor entre o pensamento místico de uma civilização desaparecida e a nossa, cristã e racionalista ocidental. De todas as maneiras se buscou enterrar no esquecimento o mundo dos magos pré-cristãos, como relata o romântico "Brumas de Avalon", da escritora Marion Zimmer Bradley, que mostra a vitória do Cristianismo sobre as antigas religiões nas ilhas britânicas. Infelizmente a força civilizadora trazida pelos padres esmagou as fontes de informação, destruiu monumentos e templos, assimilou rituais, desfigurados, em roupagens cristãs como o Natal e as Fogueiras de São João, antigo ritual de um deus esquecido. Mas o pior de tudo foi ter favorecido o surgimento de uma cultura racionalista caolha, ignorante de si mesma. Conseqüentemente, passamos a viver sobressaltados num mundo misterioso e mal assombrado por deuses, diabos, almas, discos voadores, ETs, vampiros e políticos corruptos.Como o Cristianismo não tornou o mundo melhor em dois mil anos, hoje os ateus são as pessoas mais sensatas no mundo contemporâneo, por que não acreditam num Deus pessoal, Onipresente e Bondoso.
Daí se faz necessário uma arqueologia do pensamento mágico tornado marginal, oculto, isto é,“ ocultista”. Pela castração cristã na Idade Média. Pessoas como Gurdjieff, Dion Fortune, Helena Blavatsky, Gerard Encausse, Eliphas Levi, Guaita, Fulcanelly, Lobsang Rampa, esse último um suposto monge tibetano tão polêmico quanto Castaneda e seu benfeitor Dom Juan. São rastreadores do mundo da feitiçaria e dos Antigos Videntes, dos Magos da Mesopotâmia, do Egito. O que eles possuem em comum é a fome de elucidar a metafísica dos nossos antepassados, de outras humanidades, que tiveram uma intimidade maior com o mundo, mas que desapareceram tragicamente, ou ate mesmo naturalmente.
O ponto de encontro do universo mítico descrito por Castaneda, com outras cosmovisões ocultistas, é exatamente a totalidade do Ser na explicação dos feiticeiros pré-colombianos, magos que viveram num passado remoto. A grande descoberta feita pelos antigos videntes foi o domínio da consciência e de que a razão da nossa existência e de todos os seres, é o desenvolvimento e sobrevivência dessa consciência.
Que os seres humanos , na visão dos feiticeiros, são divididos em dois lados, o direito que é o Tonal, englobando tudo o que o intelecto pode conceber, e o lado esquerdo chamado Nagual, que é um reino de aspectos indescritíveis, algo impossível de ser compreendido com palavras, mas que é manipulado criminosamente, por espertalhões na produção de "milagres", e curas. Seitas evangélicas que lotam o Macaranã fazendo “terapia de grupo” com pessoas desesperadas, prometendo prosperidade e salvação, em nome de Jesus Cristo, promovido de Filho de Deus, no próprio Senhor Deus . Em nome da Fé cega, arrecadam sacos de dinheiro. O Nagual é o lado misterioso, divino e poderoso da consciência, que produz e torna possível esses milagres.
A RAZÃO É O TONAL
"O tonal é tudo o que somos e tudo o que conhecemos. É tudo o que sabemos, nós e o mundo. Isso porque ele é o grande organizador, que dá ordem ao caos do mundo. Tudo quanto sabemos e fazemos, como homens, é obra do tonal". Em outras palavras, é a consciência racionalista, o reino da Razão. Nossa civilização atual está sendo dominada quase exclusivamente pelo tonal. O problema é que o tonal se parece muito com uma ilha, isto é, limitado por todos os lados. "Não pode criar nem modificar coisa alguma, e no entanto faz uma representação do mundo porque sua função é julgar, avaliar e testemunhar". Daí a impossibilidade de buscar entender os mistérios da existência pela Razão, pelo tonal.
Por sua vez, o Nagual "é a parte de nós com a qual não lidamos de todo. Quando nascemos e por um certo tempo somos todos nagual. Depois é que aparece o tonal, como necessidade e complemento para podermos funcionar. E o tonal acaba por dominar o nagual e nos tornamos completamente tonal. Mas é o Nagual que tem consciência e sabe de tudo". Nele estão contidas as duas memórias, todas as respostas.
Na visão da feitiçaria deve-se apreender o mundo e não buscar entender racionalmente, como fazemos hoje. Isso é obra do tonal. Talvez por esse motivo Carlos Castaneda abandona a preocupação cronológica a partir do quarto livro em diante, deixando de ser racionalista. Também as plantas de poder ficam em segundo plano, deixam de ser importante, porque o uso delas foi um dos tantos processos usados pela humanidade antiga para conhecer o mundo, alterando ou intensificando a consciência. Mas sempre usadas na forma de rituais e jamais banalizada como fazem os viciados em drogas. O papel dos alucinógenos no aprendizado de Castaneda,com Dom Juan, era permitir o contato com seu Nagual, o mais profundo da sua consciência. Só depois de muitos anos é que compreendeu que tinha na verdade dois mestres ou benfeitores, Dom Juan que lidava com seu lado Tonal e Dom Genaro, que trabalhava com seu lado Nagual.
Durante mais de dez anos teve um aprendizado dirigido para o autocontrole da segunda atenção dominada peio Nagual. Esse nível intensificado da consciência é um estado de elevada conscientização do lado esquerdo, em oposição ao lado direito, representando o nosso normal, o tonal. Primeiro o feiticeiro Dom Juan usou alucinógenos, as plantas de poder, como o mescalito, para chegar a percepção do nagual, e conseqüentemente a segunda atenção, que ele chamava o lado esquerdo da consciência. Num momento mais avançado abandonou o uso das plantas e partiu para técnicas como a “arte de sonhar", "espreitar", num desenvolvimento natural dessa segunda atenção. O que de certa maneira pode ser, grotescamente , o que fazemos em técnicas de observação para projeções da consciência.
Q PRESENTE DA ÁGUIA
Todas as religiões e qualquer escola ocultista, busca organizar o “outro mundo", isto é, um sistema de representações, cosmovisão, que passa a ser "a verdade absoluta" para seus adeptos ou seguidores. Os cristãos católicos e evangélicos protestantes, de uma maneira geral, por exemplo, acreditam na existência de um Deus Criador e em Jesus Cristo como seu Filho, algumas seitas idolatram Jesus como o próprio Deus; que existe o céu e o inferno, demônios e o Diabo, responsáveis pelas desgraças humanas, enfim, uma vida eterna após a morte.
Por sua vez, os Gnósticos europeus e Ocultistas, se baseiam na visão de que somos criaturas sem alma, mas com uma somatória de egos que ofuscam nossa verdadeira centelha divina, eu diria, o nagual da feitiçaria... Daí eles partem para a construção de um corpo solar, pela transmutação, adotando uma psicologia revolucionária , o “trabalho”, para eliminar os egos. Não construir essa alma, esse corpo solar, implica em passar pela segunda morte.
Já a fórmula indiana do Movimento Hare Krishna, várias vezes milenar, tudo está centralizado na certeza de que somos criaturas presas num sistema de retorno constante, de acordo com o Karma. As vezes nascemos nos sistemas planetários superiores, como semideuses, e outras nascemos como gatos e cachorros, ou vermes no excremento. Nossa única maneira de parar esse ciclo é atingir o nível de consciência divina, ou de Krishna. Para isso fazem uma meditação permanente de adoração, repetindo milhares de vezes por dia , o mantra Hare Krishna, onde cantam o nome de Deus. Assim o bakta lembrará de Krishna no momento de sua morte, e isso o libertará do renascimento..
Na organização do mundo da feitiçaria de Dom Juan, descrita por Castaneda, aparece a auto-estima como um monstro de mil cabeças, egomania um tirano real que "priva o homem o seu poder". O poder que governa o destino de todos os seres vivos é uma Águia Negra incomensurável do tamanho do infinito. É a fonte criadora de todos os seres sencientes, para que estes vivam e enriqueçam a consciência. Por outro lado, a Águia devora essa consciência enriquecida depois que ela é abandonada no momento da morte dos seres.
Todos, inclusive os humanos, vivem para alimentar esse ser criador, que está constantemente devorando a consciência de todas as criaturas já mortas, flutuando em direção ao seu bico para a segunda morte. Acontece que ela concede um presente a cada um desses seres: se manter sua chama de consciência terá a oportunidade de escapar e encontrar a liberdade.
Essa alegoria da Águia, pois na verdade o que existe é algo que nenhuma criatura viva pode compreender,o Absoluto, também está presente nos mitos dos índios brasileiros do Xingu, onde se diz que os mortos devem escapar dos pássaros e do Gavião devorador de almas. Assim, o objeto metafísico do feiticeiro. é manter a chama da sua consciência para não ser consumido numa segunda morte, isto é, ser devorado pelo ser criador, seja Deus ou o Absoluto, a Águia Negra ou o Grande Gavião. Sobreviver é o presente da Águia.
Daí, toda a metafísica dos feiticeiros se assemelha ao que dizem os ocultistas como Gurdjieff, os Gnósticos antigos, que não temos alma, mas que precisamos construir uma consciência permanente, alerta e desperta, capaz de evitar a dissolução, a segunda morte, ser devorado pelo grande" abismo cósmico”. É interessante que essa idéia apareça também nas conclusões de Robert A. Monroe, em suas "Viagens além do Universo", em corpo astral ou projeções da consciência.
Segundo ele, Monroe, somos plantações de Móbiles produtores de "lush", uma substância alimentar rara e apreciada no Universo por criaturas que nos cultivam. Isso não é tão aterrador, visto que fazemos o tempo todo esse tipo de coisa, criamos os animais para devorá-los, e na verdade não somos melhores que eles.
Mas o que importa é tentar desvendar o mistério da existência, fazer uma arqueologia dos sistemas místicos de outras humanidades, de outras culturas como a das nações de pindorama , o Brasil pré-português, os Incas, Maias, a tolteca revista por Carlos Castaneda.

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